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e se o spotify for nacionalizado?

tradução, feita por letty, do artigo the case for music.gov, de ryan cooper. publicado originalmente aqui, em 26/03/21.


 

Enquanto escrevo este artigo, estou ouvindo a banda TesseracT no Spotify. O serviço é uma pechincha para mim: posso ouvir praticamente qualquer disco já feito por apenas US$ 9,99 por mês. Mas não é um grande negócio para o TesseracT, que ganha apenas US$ 0,00348 a cada vez que eu ponho uma música deles para tocar. Se eu escutasse o álbum "Sonder" em looping, 24 horas por dia durante todo o próximo ano, eles receberiam apenas US$355,90.


Serviços de streaming como o Spotify têm causado estragos na vida de musicistas em todo o mundo. Com o tempo, eles podem até destruir o ecossistema artístico do qual dependem. Existe uma solução óbvia: o comunismo total para a música.


Claro, não é apenas o streaming que está destruindo o sustento de musicistas estadunidenses. Como David Dayen relata para o The American Prospect, a consolidação de rádios, gravadoras e empresas de venda de ingressos também afetou fortemente a renda dos artistas. O gigante do rádio, Liberty Media, as três grandes gravadoras e a Live Nation têm enorme poder de mercado em relação a todos, exceto às maiores estrelas, e o usam implacavelmente para reduzir a parcela de dinheiro que vai para musicistas. A pandemia tornou as coisas ainda piores ao apagar programas ao vivo da noite para o dia - basicamente, a única coisa que sustenta a classe média musical.


Mas o streaming ainda é provavelmente a coisa mais perturbadora que aconteceu à música em geral nos últimos 20 anos. Ele basicamente matou as vendas de CDs e mp3 e agora representa cerca de quatro quintos do dinheiro da indústria musical global (fora os shows ao vivo). Agora, as receitas estão aumentando fortemente graças às assinaturas de streaming pagas mas como Dayen detalha, isso não está compensando a destruição dos modelos de receita anteriores, exceto para as maiores estrelas.


O streaming é um monopólio natural clássico, no qual os custos fixos (o preço dos servidores, desenvolvedores web e, especialmente, os direitos das músicas) excedem amplamente os custos marginais (o preço de envio de uma música pela Internet). Segue-se que, sob uma dinâmica típica de mercado, uma ou algumas empresas acabarão por aspirar a vasta maioria da participação de mercado. Depois que uma empresa é estabelecida e cresce, naturalmente será mais fácil colocar mais e mais músicas em seu catálogo, tornando-o cada vez mais atraente para mais clientes - e ganhando maior poder de barganha sobre os artistas. Na verdade, é basicamente isso o que aconteceu. YouTube, Spotify e a empresa francesa Deezer dominam totalmente o mercado de streaming e vários concorrentes já foram comprados ou faliram. Pior, um monopólio privado de streaming de música claramente já tende a uma monocultura artística, onde alguns grandes nomes levam para casa a maior parte do dinheiro e todos os outros ficam com as sobras.


Para um monopólio natural, existem duas soluções políticas clássicas: regulação ou nacionalização. As concessionárias de energia em todo o país, por exemplo, são quase universalmente pertencentes a vários níveis de governo ou são fortemente regulamentadas por conselhos de supervisão do governo. A regulamentação poderia funcionar, mas exigiria uma supervisão complicada dos proprietários privados, que sempre estarão tentando se esquivar das regras ou capturar o conselho para aumentar seus lucros.

Qualquer opção exigiria um governo competente. Mas seria mais limpo e simples para o governo dos EUA simplesmente comprar o Spotify de uma vez e convertê-lo em um serviço público. Toda a sua capitalização de mercado é de apenas US$50 bilhões uma ninharia em um orçamento de US$4 trilhões - e tem apenas alguns milhares de funcionários. Se o Estado estadunidense pode operar o vasto complexo de represas e usinas de energia da Tennessee Valley Authority, certamente ele pode executar um serviço de web moderadamente grande.


Agora, o music.gov pode funcionar de várias maneiras. Mas deixe-me sugerir um esboço de uma estrutura de negócios. Em primeiro lugar, todos os detentores de direitos autorais dos EUA serão obrigados a licenciar seu conteúdo por uma taxa razoável. Em segundo lugar, o YouTube (e qualquer outra empresa estadunidense de streaming musical) será obrigado a configurar sistemas de reivindicação de direitos autorais que realmente funcionem, em vez do sistema atual - que permite a violação desenfreada de direitos autorais, além de golpear constantemente as pessoas para o "uso justo" legal, e é também facilmente violado. Isso provavelmente tiraria a empresa do streaming.


Terceiro, os artistas receberiam taxas de streaming progressivas: (digamos) um centavo por play para o primeiro milhão de streams por mês, $0,0075 para os próximos 500.000, $0,005 para os próximos 500.000 e diminuindo gradualmente a partir daí. Esses números são apenas um palpite, mas o objetivo é redirecionar o fluxo de receita de streaming para artistas medianos e, assim, indo contra a dinâmica do tudo-ou-nada que prevalece no Spotify. As únicas pessoas que ganham dinheiro de verdade com streaming no momento são superstars como Taylor Swift, que recebem bilhões de plays - e mesmo para eles é uma pequena parte do que ganham em shows, contratos de patrocínio, merch, vendas de álbuns e assim por diante.


Quarto, não haverá algoritmo de recomendação. Os ouvintes terão que pesquisar sua própria música e criar suas próprias listas de reprodução (que poderão compartilhar). Isso vai contra a mercantilização da música, que está degradando a arte. As recomendações algorítmicas do Spotify tendem a transformar a música em um papel de parede aural que mal se escuta - tenho certeza que não sou o único com longas listas de reprodução do Spotify cheias de artistas que mal reconheço. E, mais uma vez, haverá um papel importante para jornalistas e críticos de música para encontrar e levantar novos artistas.

Quinto, apenas os artistas receberão dados específicos sobre seus ouvintes: o music.gov não coletará nenhuma informação pessoal. Este é o contrário da prática atual, em que os artistas não ganham nada e o Spotify mantém o controle de todas as músicas que você ouve. Isso é invasivo para os ouvintes e uma grande dor de cabeça para os artistas, que perdem informações valiosas sobre seus fãs que poderiam ser usadas para vendas e planejamento de shows.


Finalmente, os ouvintes ainda precisariam pagar mas não muito. Atualmente, a taxa de assinatura do Spotify é de US$9,99 por mês, embora ofereça vários descontos para estudantes e famílias. Toda a indústria musical gravada global arrecadou cerca de US$21,6 bilhões em 2020, dos quais o Spotify arrecadou cerca de um terço. Dadas as taxas de crescimento passadas e projetadas do setor, provavelmente tudo o que precisaria ser feito para que o serviço se pagasse a médio prazo seria elevar um pouco o preço e permitir que as assinaturas continuassem entrando. Ou podemos escolher subsidiá-lo com alguns bilhões de dólares em fundos públicos.


Tenho certeza de que para muitos leitores esta proposta soa um tanto extrema (e podemos pechinchar os detalhes). Sem dúvida, os republicanos teriam um ataque de nervos com a perspectiva de Cardi B ganhar milhões por meio de um serviço público. Mas se quisermos que a música continue a ser uma parte próspera da cultura estadunidense, algo deve ser feito. As recomendações de Dayen para derrubar os oligopólios de rádios, gravadoras e venda de ingressos valem a pena, mas enquanto o streaming permanecer sob o controle de capitalistas privados, músicos de menor porte terão dificuldades.


Então, por que não permitir que o bom e velho Tio Sam administre a distribuição de música pela Internet como um bem público?


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